RESENHA: Coelho maldito, de Bora Chung
SORE O LIVRO
Os contos presentes em Coelho maldito, livro finalista do International Booker Prize, transitam entre realismo mágico, folclore, horror, ficção científica e fantasia, partindo de elementos insólitos para narrar histórias assombrosas que tocam em temas profundamente reais. A coletânea é a primeira obra de Bora Chung, uma das mais notáveis escritoras sul-coreanas da atualidade, publicada fora da Coreia.Em uma família cujos negócios consistem em criar objetos de maldição, o avô relembra um episódio envolvendo um amigo de infância e um abajur amaldiçoado em formato de coelho. Uma gestante precisa encontrar um pai para o filho o mais rápido possível, e evitar que a criança sofra consequências terríveis. Despertando no completo escuro após sofrer um acidente, uma professora confia na única coisa que tem por perto para levá-la de volta à luz: uma voz desconhecida.
As dez histórias que compõem Coelho maldito partem de imagens grotescas, assombrosas e incômodas para tratar, por meio de um olhar aguçado e impiedoso, da humanidade e da condição feminina. Uma das mais proeminentes escritoras sul-coreanas da atualidade, Bora Chung usa elementos fantásticos e surreais para refletir sobre os horrores e crueldades do patriarcado e da sociedade capitalista contemporânea.
"Com a linguagem concisa e eficaz de Chung, é impossível parar de ler." -- Tor. com
RESENHA
O livro "Coelho Maldito", escrito pela autora sul-coreana Bora Chung, é uma obra de contos de assombro e do imaginário popular. O conto "Coelho Maldito" é narrado em primeira pessoa por uma neta não nomeada, que nos fala sobre uma conversa que teve com seu avô acerca de um abajur curioso em formato de coelho, que possuía um interruptor entre os pelos para ligar a luz ao passar as mãos, como em um coelho de verdade.
"Todo objeto tem sua própria história. Esse abajur não foge à regra, principalmente porque também foi usado para rogar uma praga. Sentado em sua poltrona ao lado do abajur, meu avô narra e repete essa história que ouvi inúmeras vezes. O abajur foi feito para um amigo. Não se deve produzir nem usar objetos de maldição para interesses pessoais. Essa era a regra da minha família, que há gerações produzia esse tipo de objeto. O coelho foi a única exceção." (p.4)
Ela, juntamente com sua família, vêm de uma família de ferreiros, porém, todos sabiam qual era o verdadeiro negócio da família: xamanismo, bruxaria.
"Chamados gentilmente de xamãs nos dias de hoje, os bruxos, benzedeiros ou defuntos na época pertenciam todos à mais baixa classe social [...] "Trabalhávamos com algo relacionado ao xamanismo, mas ninguém ousava dizer em voz alta qual era a verdadeira ocupação dessas pessoas que oficialmente consertavam ferramentas em sua loja de ferragens."
Em um tempo não muito distante, o avô da garota narra que havia um amigo que herdara uma fábrica de bebidas destiladas e possuía uma receita secreta de uma bebida gaseificada elaborada à base de arroz que mudaria os rumos dos negócios. Porém, ele tinha um concorrente direto que dominava o mercado, mas sua nova receita estava pronta para assumir o trono. Após uma nova política interna do país proibir o uso de arroz no desenvolvimento de bebidas, ele se sente desanimado, porém, consegue pensar em uma alternativa igualmente cativante usando outros elementos além do gás e do sabor artificial.
"O que travou sua ambição foi uma nova política agrícola do governo, cujo objetivo principal era atingir a autossuficiência em arroz. Assim, o uso do produto na fermentação de certos tipos de bebida alcoólica foi proibido."
O outro competidor que fabricava as bebidas era infinitamente maior que o negócio do amigo, possuía fortes ligações políticas e contatos que colocaram sua bebida em um pedestal como uma bebida tradicional da família, entre outros. Conforme a notícia se espalhou, também se espalharam boatos de que a bebida produzida pelo amigo era simplesmente uma bebida barata elaborada com gases, corante e sabores artificiais, ou seja, ela não era tão saudável quanto anunciavam. Essa manobra levou as vendas ao chão, o amigo teve que vender sua fábrica para o concorrente, junto com sua receita. Isso o fez acumular diversas dívidas e acabar falindo. A falência do negócio levou o amigo à depressão e morte, seguida por sua esposa, que não conseguiu lidar com um mercado tão cruel. O avô da garota, então, triste e abalado com o acontecimento, decide enviar o coelho para o escritório do responsável pela queda e morte do amigo. O coelho carregava uma forte maldição que colocaria o negócio em rota de falência.
"A pessoa amaldiçoada deve tocar no objeto. Essa é a chave para lançar uma maldição e também a parte mais difícil. Meu avô mobilizou todos, próximos ou distantes, para conseguir o contato de alguém que conhecesse alguém que trabalhasse em uma das empresas parceiras da responsável pela morte de seu amigo."
"Depois de passar uma tarde inteira abandonado na mesa do dono da empresa, algum funcionário levou o coelho para o depósito antes do fim do expediente. Naquela noite, o coelho começou a roer os papéis que estavam ali."
Em uma manobra para contornar os tempos difíceis da empresa, o dono decide oferecer um dia de degustação grátis no pátio da fábrica para que todos possam beber à vontade. Porém, seu neto, em certo momento, senta-se em frente à porta e declara estar brincando com os coelhos. A mãe, ao ser questionada se poderia levar o material para casa, acaba levando-o. Os dias passaram e o coelho foi para a casa do neto do dono da fábrica, ele acariciava o coelho diariamente, o que fez com que as infestações piorassem. Com o tempo, os coelhos começaram a destruir paredes, móveis e recibos da fábrica, o que fez com que ele precisasse pagar inúmeras contas novamente, uma vez que era impossível declarar de forma documentada o pagamento dessas dívidas. O garoto adoeceu aos poucos até falecer em sua cama, com um apetite insaciável e perdido no mundo, sem se lembrar de nada, mas ele nunca deixou de acariciar o coelho. Abalado pela morte do filho, o filho do dono da fábrica chorou por dias até sofrer um acidente e precisar fazer uma cirurgia de emergência. Acabou falecendo, deixando o dono da fábrica abalado em todos os sentidos. Ele, então, toma uma atitude drástica e impensada.
"Coelho Maldito" é uma história brilhantemente escrita por Bora Chung. O enredo é cativante em um nível devastador, suas histórias são repletas do grotesco e do paranormal, o que faz dessa autora uma forte promessa na literatura mundial. Certamente, a melhor leitura até o momento em 2024.